sábado, 7 de julho de 2012

Entre no Curupira Express, beba esperma do mapinguari e divirta-se

A Rio+20 atraiu uma fauna de personagens carismáticos, todos fantasiados com algum atributo natural. Quem passou pela Cúpula dos Povos, certamente viu o homem-planta, o empresário crucificado, o São Verdão protetor das florestas, o Jamaica maratonista ou alguma outra figura singular. Mas a performance que mais me surpreendeu (e olha que já percorri mais que meio mundo) foi um ônibus. Sim, um ônibus paraense.
André Lobato Kaveira, advogado e geógrafo, já foi vereador em Belém no século passado. “Cheguei à conclusão que os políticos não mudam nada, só pensam neles”, diz Kaveira. “Por isso, decidi me dedicar à música e à proteção da Amazônia.” Junto com sua companheira Élida Braz, a Lady Green, André montou um ônibus-discoteca que percorreu os municípios do Estado do Pará levando “arte e consciência ambiental”. Considerado como Ponto de Mídia Livre pelo Ministério da Cultura, o ônibus Caravana Carbono Neutro percorreu centenas de cidades paraenses lembrando que a pegada ecológica de cada indivíduo precisa diminuir. De quebra, o casal dava um curso itinerante de DJ, cuja inscrição era… plantar 10 árvores!
Kaveira e Lady Green decidiram participar ativamente da Rio+20 e trouxeram seu ônibus para a grande festa ecológica. “Percorremos a orla carioca todos os dias, trazendo música, informação ambiental e rituais amazônicos. Um gostinho de nossa cultura paraense”, afirma a DJ Lady Green.
André Kaveira e Lady Green animam o ônibus-discoteca com música e frases ecológicas.
O ônibus também é chamado de Curupira Express, curupira sendo um ser mítico da floresta. O duende tropical tem cabelos vermelhos e seus pés estão em posição contrária, com os calcanhares voltados para frente. Ele é o protetor dos animais e das árvores. Se um caçador entrar na mata com más intenções, Curupira irá “mundiar” (encantar) o intruso e este não conseguirá sair da floresta.

Curupira, com um ouriço de castanha-do-Pará em uma mão, convida, de forma teatral, a que os viajantes entrem na Caravana Carbono Neutro.
O Curupira da Rio+20 foi Gleyson Almeida, um paraense formado em teatro e dança pela Universidade Federal do Pará. Parceiro há cinco anos do casal multimídia, Gleyson encarnou o personagem e acredita no que faz. “O trabalho com as lendas amazônicas consegue transformar as pessoas em melhores seres humanos”, diz.
Durante os dias do megaevento ambientalista, cerca de 40 passageiros embarcavam todas as noites no ônibus, encostado no Museu de Arte Moderna. O primeiro passo, baixo a liderança do Curupira de cabelos cor de fogo, era beber um gole de uma bebida denominada Esperma do Mapinguari. O mapinguari é outro animal mitológico amazônico, coberto de pelos avermelhados, com uma imensa boca vertical que iria da cabeça ao estômago. Pesquisadores consideram que a lenda poderia estar relacionada com a preguiça gigante, mamífero que existiu na Amazônia há 10 mil anos.
E a bebida? A receita do esperma não me foi revelada, mas consegui confirmar a presença de alguns ingredientes, como ervas, frutas (maracujá), pó de guaraná e aguardente de cana. Para ter o efeito desejado, o gole deve ser tomado dentro de um ouriço da castanha-do-Pará. “O esperma é uma bebida afrodisíaca, usada pelos indígenas”, diz Gleyson. “Revela o lado mais profano do ser humano e desperta a libido.” E a libido corre solta quando o ônibus atravessa o Aterro do Flamengo em direção à Copacabana. Aos sons de carimbó, Beatles, tecnobrega e Milton Nascimento, a discoteca rola pelo asfalto liso carioca. Em um determinado momento, metade dos participantes colocam máscaras e devem abraçar seus vizinhos, independente de gênero. “É para desenvolver a sensibilidade sensorial”, diz, em voz baixa, Curupira.
A DJ Lady Green, com pintura indígena no rosto, comanda a trilha sonora do Curupira Express.
Toda esta iniciação faz parte da Liturgia Sustentável Difusa, que tem como sigla LSD. O rito inclui um batismo e uma limpeza espiritual ao sair do ônibus em direção à praia. “Agora faremos um ritual de pajelança para a preservação do planeta”, diz Curupira, ajeitando sua peruca de cabelos vermelhos. Uma roda é organizada na Praia do Leme. Desconhecidos ou paqueras se dão as mãos e logo começam a dançar em círculo. Curupira, com um incensário (um velho galão de tinta) na mão, asperge a fumaça das ervas queimadas sobre os fiéis, cada vez mais alegres e contentes.
Chegada à Praia do Leme: todos os viajantes devem ser purificados para o ritual da Liturgia Sustentável Difusa.
O Curupira Gleyson Almeida entra em cena com seu incensário. “Que nossas florestas sejam protegidas.” (Estas imagens meio fantasmagóricas foram fotografadas pelo autor, já sob o efeito do Esperma do Mapinguari…)
Apenas 500 jovens (de idade e de espírito) vivenciaram a Caravana Carbono Neutro Curupira Express. Mas os cariocas interessados no ambientalismo-erótico-paraense poderão ter ainda alguma chance de participar da performance. Gleyson instalou-se no Rio, o casal Lady Green-Kaveira quer dar um tempo por aqui e o ônibus está com preguiça de fazer os 3.200 km de volta à Belém. “Vamos invadir as praias cariocas com nossas experiências amazônicas”, diz Lady Green.

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