RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Não é de hoje, mas o auê da mídia faz tudo parecer uma novidade. Então, precisa morrer atropelado um ciclista triatleta na Praia de Ipanema, cartão-postal do Rio de Janeiro, para a gente saber que a máfia dos ônibus continua intocável?
Precisa alguém como Pedro Nikolay, de 31 anos, morrer espatifado na faixa preferencial de ciclistas na Avenida Vieira Souto, o metro quadrado mais caro do Brasil, para todo mundo saber que o prefeito Eduardo Paes e o governador Sérgio Cabral nunca fiscalizaram de verdade a frota de coletivos do Rio? Nunca moralizaram as concessionárias, apesar de terem prometido um serviço melhor a seus eleitores?
Agora, as autoridades anunciam “mais rigor” contra uma frota de ônibus que registrou 52 mil multas de janeiro a março de 2013 – uma anotação a cada dois minutos e meio. É espantoso que ninguém tenha sido punido.
Não sei a quem se quer enganar. A histórica omissão de prefeitos e governadores – não só do Rio – diante das máfias de transporte público custa um preço cada vez mais alto em vidas. Mata-se mais porque as ruas estão entupidas de motoristas não qualificados, que seriam reprovados por um psicotécnico básico. Mata-se mais porque não se abre a caixa-preta das empresas de ônibus – provavelmente a “caixinha” dos empresários do transporte fale mais alto em muitos municípios.
A frota dos ônibus brasileiros reúne um misto de ganância, irresponsabilidade e crueldade que dá medo. Se os políticos acabam recuando do confronto, imagine as pessoas comuns, os motoristas e os passageiros. “Você sabe que isso aí é um vespeiro, não?”, me disse em voz baixa um estudioso do assunto.
O ônibus que matou o triatleta tinha 19 multas. Cinco por excesso de velocidade e duas por avanço de sinal. O motorista não prestou socorro e continuou seu trajeto, como se tivesse passado por cima de uma mosca. Disse não ter percebido a batida. A cobradora afirmou não ter visto nada. A rua estava vazia, antes das 6 horas da manhã. A empresa, a Viação Vila Isabel, seguiu o padrão: só revelou o nome do motorista sete horas depois e sob pressão.
A omissão do governo diante das máfias de transporte público custa cada vez mais caro
Ok, a prefeitura conta com apenas 40 agentes para fiscalizar toda a frota de ônibus, táxis e vans. Missão impossível. Mas... por que as regras de trânsito dos motoristas comuns não valem para os motoristas de ônibus, responsáveis por conduzir tantas vidas?
As empresas de ônibus apertam os motoristas. São 18 mil no Rio. Os patrões aumentam os horários, exigem mais receita. “Olha, você está carregando muito idoso no coletivo.” “Tem de acumular a função com a de cobrador, viu?” “Tem de chegar na hora.” “Tem de rodar mais.” Já pensou ouvir isso no dia a dia, enfrentando um trânsito louco?
Ah, mas agora tem um novo decreto salvador... O secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osorio, exigirá um curso de reciclagem para todos os 18 mil motoristas. Um detalhe escapou a Osorio. A Rio Ônibus disse que suas três escolas de treinamento formaram 17.920 motoristas em oito anos. É o programa Motorista Cidadão. Tem alguma coisa errada aí. Porque, pelas contas, faltaria treinar apenas 80 motoristas. Ou então o curso ensina a trafegar fora da faixa exclusiva, invadir as ciclovias e as calçadas, avançar sinal, dirigir desabotinado...
A prefeitura do Rio, com o apoio da Câmara de Vereadores, pratica uma série de bondades com os empresários de ônibus – uma delas é a redução do imposto por viagem, de 2% para 0,01%. O prefeito deixa de arrecadar R$ 30 milhões por ano. Em troca, deveria exigir ao menos um atendimento decente à população. A punição para as empresas que escondem o nome dos motoristas infratores é uma multa administrativa de R$ 1.800. Isso não passa de multa de fachada.
O motorista que faz bobagem conta com a proteção da máfia. As empresas protegem o infrator porque, se todos prestarem contas ao Detran, a grande maioria superará 20 pontos na carteira e será suspensa. Não haverá motoristas suficientes para dirigir os ônibus. Ah, mas daqui para a frente será diferente... O prefeito Eduardo Paes, ele próprio um ciclista, disse que abrirá a “caixa-preta das empresas” que protegiam as identidades dos motoristas. “Isso é absurdo”, afirmou. “Os profissionais têm de sair do escuro.”
Também precisam sair do escuro as relações entre os Poderes e as empresas de ônibus. Quando Paes fez, enfim, uma bem-vinda licitação das empresas de ônibus em 2010 e as transformou em consórcios, ninguém se preocupou em garantir um bom serviço para os passageiros? Na hora de assinar os acordos, não caiu a ficha de que a impunidade e a falta de fiscalização dariam no que deu? Ou se licita direito ou não se licita. A caixa é mais preta do que parece.
Fonte: Revista Época
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