quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Na terra dos carros e trens rápidos, os ônibus tentam conquistar espaço

Jack Ewing
Frankfurt (Alemanha)

Em algum momento no ano que vem, um grupo de estudantes, aposentados e alemães de pouco poder aquisitivo embarcarão em um ônibus em Frankfurt para fazerem uma viagem que, de certa forma, será histórica.
Eles irão até Munique, ou talvez Düsseldorf ou Stuttgart – em viagens de ônibus que, nos últimos 79 anos, foram ilegais.
O serviço doméstico de longa distância com ônibus é, com algumas poucas exceções, proibido na Alemanha desde 1931. Mas a proibição, cujo objetivo original era proteger o sistema ferroviário estatal, provavelmente cairá em breve devido à pressão de uma decisão judicial e a uma decisão do governo da chanceler Angela Merkel no sentido de desregulamentar as viagens domésticas.
O fato de o fim da proibição dos ônibus estar demorando tanto demonstra como as coisas mudam lentamente na Alemanha, apesar de o país ser conhecido como a locomotiva econômica da Europa e um modelo de competitividade. A lei anti-ônibus também é um lembrete de que, apesar do movimento contínuo nos dez últimos anos, as barreiras ao empreendedorismo livre e ilimitado continuam de pé na Europa. A Alemanha e outros países ainda protegem certas profissões e indústrias de novos competidores, por meio de várias regulamentações.
“Isso é um anacronismo”, critica Roderick Donker van Heel, diretor geral da Deutsche Touring, que oferece serviços de ônibus de Frankfurt e outras cidades para destinos no estrangeiro, mas que geralmente não tem permissão sequer para deixar que passageiros desembarquem em cidades da própria Alemanha.
“A Deutsche Bahn pode fazer o que bem entender”, afirma Donker van Heel, referindo-se ao sistema ferroviário estatal. “As companhias aéreas também podem fazer o que quiserem. Mas quando uma companhia de ônibus deseja oferecer serviços de transporte entre cidades alemãs, a resposta é não. E nós estamos no ano 2010”.
E a abolição dessa lei, que só permite os serviços de ônibus quando estes impliquem em melhorias substanciais em relação ao existente transporte ferroviário, ainda não é uma certeza.
O tribunal de maior alçada na Alemanha para leis administrativas determinou em junho que a Deutsche Touring, a maior provedora de serviços de transportes internacionais por ônibus do país, poderá oferecer uma linha de Frankfurt a Dortmund. O tribunal abriu um novo precedente ao aceitar o argumento da companhia de que preços mais baixos se constituem por si só em uma melhoria substancial do serviço de transporte.
Mas a Deutsche Bahn ainda poderá acabar com essa vitória legal se abaixar os preços até que estes fiquem inferiores aos cobrados pela Deutsche Touring.
Um porta-voz da Deutsche Bahn recusou-se a tecer comentários, mas forneceu uma declaração escrita na qual a companhia ferroviária informa que são autoridades dos governos locais, e não os operadores da ferrovia, que decidem a autorização dos serviços de ônibus. A companhia afirmou ainda o governo deveria exigir que os futuros fornecedores de linhas de ônibus apresentassem um serviço com horários regulares, conforme faz a Deutsche Bahn.
“A lei alemã de transporte não foi elaborada para proteger a companhia Deutsche Bahn, mas sim para servir e proteger o sistema ferroviário, que é usado pela Deutsche Bahn e por muitos outros concorrentes”, afirmou a companhia.
O governo da chanceler Angela Merkel prometeu que acabará com tais barreiras. A promoção do empreendedorismo é uma das metas centrais do Partido Democrático Liberal, parceiro minoritário da coalizão de governo com a União Democrata Cristã de Angela Merkel.
Patrick Döring, vice-líder dos democratas livres no parlamento alemão e um dos porta-vozes do partido para questões relativas aos transportes, disse esperar que uma minuta de uma lei revisada possa ser apresentada ao Bundestag dentro de alguns meses. A lei modificada poderia entrar em vigor para permitir uma competição ampla e aberta entre companhias de ônibus em meados de 2011.
“Eu estou muito otimista quanto à possibilidade de que este se transforme rapidamente em um meio de transporte comum”, diz Döring.
Donker van Heel diz que está ansioso para começar logo. A Deutsche Touring já está fazendo planos para a criação de novas rotas, provavelmente se concentrando primeiro em conexões para as cidades principais.
Mesmo assim, ele está contendo as suas expectativas. Van Heel observa que até mesmo as menores companhias de ônibus alemãs estão fazendo lobby contra uma competição integral. Elas prefeririam que os regulamentadores designassem rotas específicas para as companhias, que com isso desfrutariam de quase monopólios.
E por que demorou tanto para que se permitisse na Alemanha a utilização de um meio de transporte que é trivial na maioria dos outros países?
“A Deutsche Bahn é uma potência na Alemanha”, afirma Gunther Möri, presidente da Associação Alemã de Companhias de Ônibus. “E as companhias de ônibus contam com um lobby menor. A questão é simples assim”.
Ironicamente, a Deutsche Touring pertenceu à Deutsche Bahn até 2005, quando a empresa ferroviária estatal a vendeu para a Ibero Eurosur, um consórcio de companhias de ônibus espanholas e portuguesas que possui vínculos com congêneres na França e no Reino Unido. A Deutsche Bahn, por meio de subsidiárias, continua sendo a maior provedora de serviços de ônibus locais na Alemanha.
Com uma frota de ônibus Setra fabricados pela Daimler, a Deutsche Touring é especializada no transporte de imigrantes poloneses, croatas, sérvios e outros europeus orientais que trabalham na Europa Ocidental e que necessitam de um meio de transporte economicamente acessível para fazerem visitas aos seus países de origem. Recentemente, passageiros embarcaram em um ônibus que seguia para o Kosovo, a partir da garagem da Deutsche Touring na periferia de Frankfurt, em um bairro que conta também com uma pista de boliche e uma grande revendedora de automóveis usados.
As passagens são baratas. Uma passagem para Pristina, a capital de Kosovo, custa 50 euros, ou cerca de US$ 64 (R$ 110), pela Deutsche Touring, mas a viagem exige paciência. A jornada de 1.700 quilômetros demora 30 horas.
Como os ônibus tendem a ser mais lentos do que os trens, os principais usuários serão jovens de pouco poder aquisitivo, desempregados e pessoas idosas “para as quais o tempo de viagem tem uma importância secundária”, segundo indicou um estudo recente feito pelo Deutsche Bank.
Os analistas dizem que é improvável que as companhias de ônibus tirem muitos passageiros do sistema ferroviário, que é limpo, rápido e cobre uma grande área, embora os ônibus possam proporcionar preços mais competitivos.
“O principal efeito disso foi que nós criamos uma nova oportunidade para viagens baratas para as pessoas que não têm dinheiro para viajar de trem ou de avião”, explica Alexander Eisenkopf, professor da Universidade Zeppelin, em Friedrichshafen, na Alemanha, onde leciona gerenciamento de viagens.
Existem indicações de que a demanda pelas viagens de ônibus poderá ser forte. Os serviços noturnos oferecidos pela Deutsche Touring de Mannheim, no sul da Alemanha, à Hamburgo, no norte do país, com a ligação entre vários aeroportos, estão prosperando, diz Donker van Heel, que, entretanto, se recusou a revelar números. A rota aproveita uma brecha na legislação existente que permite os serviços de ônibus nos aeroportos.
As rotas de ônibus para Berlim e originárias desta cidade, que são permitidas por motivos que remontam à época em que a cidade era um bastião da Guerra Fria, também estão muito movimentadas, segundo o Deutsche Bank. Cerca de 370 mil pessoas viajam anualmente de ônibus na rota Hamburgo-Berlim. Mesmo assim, isso é apenas um pouco mais do que a Deutsche Bahn transporta entre as duas cidades em um único dia.
Michael Svedek, diretor de operações da Deutsche Touring, calcula que o serviço de ônibus possa abocanhar 5% do mercado de transporte, que tem um valor aproximado de 5 bilhões de euros (R$ 10,9 bilhões). Atualmente, as viagens de ônibus respondem por apenas 0,1% do total de passageiros transportados na Alemanha, segundo dados do Deutsche Bank.
“Para eles, isso é uma ninharia”, afirma Svedek, referindo-se à Deutsche Bahn. “Mas para nós, isso é bastante dinheiro”.

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