Há mercado para o transporte rodoviário de luxo?
Estas imagens são da primeira classe de um avião ou de um comboio de alta velocidade? Por incrível que possa parecer, são de um…autocarro! A empresa indiana “Olivea” criou um novo conceito de transporte regular de passageiros de “super luxo”, e cuja atividade já despertou o interesse de outras empresas europeias e norte-americanas. E em Portugal ou na Europa? Existe mercado para esta segmentação?
A “Olivea” é uma empresa indiana criada no ano passado, após a aquisição da companhia “Luxuria” e que está ligada a um grande grupo económico, o Blue Hill Group, dono de uma das mais antigas cadeias de supermercados indianas, que também tem ligações à área da restauração e hotelaria. A empresa apostou num novo segmento de mercado, o transporte rodoviário de passageiros de “super luxo”, e assim conseguiu captar a atenção de praticamente todo o mundo. E não é caso para menos. Autocarros com apenas 20 lugares, assentos reclináveis que apenas são utilizados em companhias aéreas, assistentes de bordo, Catering Gourmet, WC, ligação Wi-Fi gratuita, tomadas para computadores, LCD´s individuais, música, vídeos e jogos “on-demand”, programação por satélite, mesas de trabalho, ar condicionado e ainda várias “commodities” que apenas encontramos numa primeira classe de um avião ou de um comboio de alta velocidade. Numa primeira fase, a Olivea só presta serviços no norte da India, tendo arrancado a exploração do serviço com ligações diárias entre Nova Deli e as cidades de Chandigarh, Amritsar, Agra e Jaipur, no entanto, o sucesso alcançado leva a empresa a querer estender os seus serviços até ao sul da India. Os cerca de 50 autocarros que compõem a frota da “Olivea” têm apenas chassis Mercedes-Benz e Volvo e a sua carroçaria é exclusiva tendo, inclusive, ganho um prémio e surpreendido todo o setor, durante a última feira “Busworld”. Até final do ano, a empresa espera adquirir mais 70 viaturas, altura em que passará a cobrir o norte e o sul daquele país asiático.
No entanto, a diferenciação no serviço não passa apenas pelo autocarro, propriamente dito. As 11 salas de espera da “Olivea” nos terminais rodoviários indianos são autênticos “lounges” aeroportuários, onde impera o conforto e o design. As reservas podem ser feitas através do site da “Olivea”, dando a possibilidade ao cliente de poder imprimir o seu cartão de embarque. No entanto, a empresa pretende ir mais além e aproximar o processo de reserva e “check-in” dos utilizados nos sistemas aeroportuários. E o preço? À primeira impressão, pode parecer que será bastante elevado…no entanto, cada bilhete custa cerca de 1500 rúpias indianas, o equivalente a cerca de 20 euros. Num país como a India, onde ainda existem enormes desigualdades sociais, fruto do sistema de castas ainda vigente, mas que nos últimos anos tem vindo a afirmar-se como uma das grandes potências económicas mundiais, este é um preço perfeitamente acessível para a chamada “classe média” indiana. Apesar dos custos decorrentes da transformação dos autocarros e dos serviços a bordo, a empresa optou por uma política de preços que, em primeiro lugar, lhe permitisse conquistar mercado. Segundo Prabhu Ramachandran, diretor do Blue Hill Group “inaugurámos um novo conceito de transporte rodoviário de passageiros, ultra luxuoso e confortável, e acreditamos que já revolucionámos os transportes terrestres na India”. O responsável adianta que a companhia é já “uma referência não só na India como em toda a Ásia, com os nossos luxuosos autocarros e as baixas tarifas, que nos permitem ser bastante competitivos, em termos de preço e conforto, com as companhias aéreas”.
A realidade nacional e europeia
O aparecimento da Olivea no mercado indiano não deixou de suscitar a curiosidade do setor e da indústria a nível mundial. Rapidamente, este novo conceito de transporte foi alvo do interesse de empresas europeias e também norte-americanas, que viram neste “novo” meio de transporte, uma oportunidade para, por exemplo, competir com o transporte ferroviário e até mesmo com o transporte aéreo. No entanto, atualmente, não existe na Europa nenhum serviço de transporte rodoviário de passageiros regular que possa ser considerado como “super luxo”. Existe, isso sim, alguma indústria que se dedica à transformação de autocarros em verdadeiras “suites” sobre rodas, mas que está direcionada para um mercado muito específico, nomeadamente o da música, através do transporte de bandas de rock que estão em digressão.
A nível europeu, praticamente todos os países possuem empresas que têm linhas regulares, os chamados “expressos”, que permitem a ligação rodoviária entre as cidades de cada país. Existe, igualmente, um setor que está mais direcionado para o transporte internacional, sendo de destacar, neste domínio, a Eurolines, agrupamento de 28 empresas europeias que está presente em praticamente todos os países do “Velho Continente”. Hoje, possuem mais de 500 ligações regulares e têm, inclusive, linhas para Marrocos.
No entanto, não existe nenhuma diferenciação ou segmentação de alto luxo ao nível do seu serviço prestado, uma vez que a empresa aposta numa estratégia de preços “low-cost”. Outra das empresas que faz transporte internacional é o consórcio português Internorte/Intercentro e Intersul. Atualmente, com linhas para França, Luxemburgo, Espanha, Holanda, Alemanha, Suíça e Bélgica, as “Inters” também fazem serviços em território nacional, no entanto este funciona de forma capilar, para alimentar as linhas do serviço internacional. Com 20 autocarros afetos ao serviço internacional e um total de 70 motoristas (já que a maioria das linhas funciona com uma tripulação de 4/5 motoristas, embora o número varie de acordo com os quilómetros e tempos de viagem, para respeitar os tempos de condução), as “Inters” têm duas realidades em termos de segmentação de serviço, conforme refere o seu administrador, Rui Silva: «Nas Inters, em termos de linhas diretas, o único tipo de segmentação que disponibilizamos é na ligação entre Lisboa e Madrid, que pode ser realizada em veículo normal ou Supra. No fundo, trata-se de uma diferenciação a nível de conforto, já que estes veículos têm bancos diferentes e oferecem mais espaço ao passageiro. Aqui, a diferença de preço é mínima. A questão do preço ainda tem de ser muito trabalhada». Já ao nível do transporte internacional em que existem parcerias com outros operadores, Rui Silva refere que questões «como o preço, o nível e o tipo de serviço, têm de ser discutidas e coordenadas em conjunto, o que nem sempre é fácil, porque pode haver mais do que um parceiro internacional numa pool» (nome que se dá a estas parcerias)». O responsável adianta ainda que «por outro lado, as “Inters” participam na Deutsche Touring, com base em Frankfurt e que faz serviços internacionais na Europa do Leste, Balcãs e da Alemanha para alguns países da Europa Ocidental (como Inglaterra, Itália…). Aqui, sim, existe segmentação no serviço e os passageiros podem viajar de forma standard ou em Business Class, com valor acrescentado em termos de serviço ao passageiro». Ao nível de “commodities” nos autocarros, os autocarros das “Inters” oferecem, por exemplo, tomadas para ligar equipamentos eletrónicos, Internet grátis, sistema áudio multicanal individual, WC, oferta de jornais e revistas, ofertas de snacks e refrescos, entre outros. Rui Silva refere ainda que a segmentação é feita por veículos diferentes, ou seja, não existem duas classes no mesmo veículo, no entanto, refere, que«essa possibilidade não está afastada, aliás, a oferta de serviços poderá evoluir nesse sentido, mas para linhas específicas». E em Portugal? Existe espaço para a segmentação?
Rui Silva acredita que «neste momento faz mais sentido acrescentar valor ao serviço do que apostar na diferenciação e segmentação da oferta. Temos de trabalhar no sentido de oferecermos mais conforto e mais informação. Por exemplo, faz todo o sentido que um familiar de um passageiro possa, através de uma ferramenta, fazer o seguimento de um veículo ao longo da viagem. Saber em que ponto do percurso se encontra, a hora prevista para a chegada. Só depois é que poderemos dar o outro passo e analisar se em alguma das linhas faz sentido segmentar. Penso que em algumas fará, mas é algo que tem de ser muito bem trabalhado e comunicado, até para não confundir o passageiro, que tem de estar bem informado».
Uma das empresas que faz parte do consórcio da Eurolines é a espanhola Alsa, empresa que aposta na segmentação dos seus serviços, apenas em Espanha, e que oferece aos seus clientes, conforme o preço, vários níveis de conforto. Apesar de não se poder comparar com o “super luxo” da empresa indiana, o serviço “Supra” e “Supra +” da Alsa anda lá muito perto. Os exclusivos Mercedes-Benz Travego deste serviço têm apenas 36 lugares, assentos em pele, internet gratuita, tomadas elétricas, conteúdos audiovisuais “on demand”, incluindo filmes, documentários e música, jornais e revistas gratuitas, WC, serviço de catering (através de reserva), entre outros. Outra das vantagens de se ser cliente “Supra” é o facto de, nos terminais da Alsa, se dispor de uma sala de espera própria e diferenciada…um “lounge” rodoviário. O preço…, esse é mais do dobro de uma linha “normal”. No entanto, a Alsa dispõe de um serviço intermédio que se chama “Eurobus”, com assentos com maior distância entre pernas, jornais e revistas gratuitos, oferta de garrafas de água mineral e também acesso a “lounge” próprio, dentro dos terminais rodoviários.
Em Portugal, na área dos “expressos”, existem duas empresas que podem ser consideradas referências, a EVA/Mundial Turismo e a Rede Expressos. A EVA/Mundial Turismo com as suas ligações exclusivas para o Algarve é sinónimo de alta qualidade e pioneirismo ao nível do transporte rodoviário. Osório Gomes, administrador da empresa, destaca «a imagem dos nossos autocarros que mostram que temos um produto diferente. Por outro lado, temos um serviço diferenciador, e por isso mesmo com preços diferenciadores. Todos os nossos autocarros têm WC, oferecemos revistas, algum tipo de alimentação, como snacks, bebidas, temos também uma assistente de bordo...». Perante a possibilidade de existir em Portugal serviços rodoviários de “super luxo”, Osório Gomes refere que «neste momento não acredito que exista espaço no mercado para um serviço deste tipo. A dimensão do país é um “problema” que se coloca e nesse aspeto não nos podemos sequer comparar com a India, em que este tipo de serviço é utilizado para longas distâncias. Por outro lado, o preço é também um elemento importante na escolha. Acredito que, neste momento é essencial termos garantias que a taxa de ocupação dos nossos autocarros, e com preços mais elevados provavelmente não teríamos essa garantia». A mesma opinião é partilhada por Carlos Oliveira, da Rede Expressos, que salienta «não existir, neste momento, espaço para o segmento do “super luxo” em Portugal». O responsável da Rede Expressos salienta, no entanto, que «em Portugal temos evoluído muito, não só no serviço prestado como também no conceito de qualidade». A própria empresa já disponibiliza aos seus clientes autocarros diferenciados, equipados com rede wi-fi, casa de banho, maior distância entre bancos, tomadas elétricas e conteúdos audiovisuais próprios. Mas, para Carlos Oliveira, o transporte rodoviário de passageiros de longa distância ainda se debate com alguns estigmas. «Continua a existir a noção que o transporte rodoviário é para as classes sociais mais baixas, para os idosos e aquelas pessoas que não dispõem de viatura própria», refere, acrescentando que esse é um do motivos que não permite ao transporte rodoviário competir com, por exemplo, o transporte aéreo, mesmo caso existisse um segmento de “super luxo”. «Há uma tendência natural para a aviação. E depois existem as variáveis preço, qualidade e, muito importante, tempo de viagem». Também Rui Silva, das “Inters”, salienta o factor da competitividade entre modos: «os modos de transporte, no caso dos serviços de longa distância, não são propriamente concorrentes, mas antes complementares, já que, servindo o mesmo propósito, funcionam e são competitivos em circunstâncias diferentes. O autocarro tem duas vantagens em relação, por exemplo, à aviação: por um lado, é um modo muito flexível, que permite fazer um transporte de proximidade, quase porta-a-porta, por outro lado, oferece facilidades em relação à bagagem, tanto na quantidade como no tipo de bens que se podem transportar. Uma viagem em “low cost” será a melhor escolha para quem quer passar apenas um fim-de-semana, mas se a pessoa desejar passar uma semana fora, em época alta, por exemplo, compensa-lhe fazer a viagem de autocarro. São serviços que funcionam e são competitivos em circunstâncias diferentes».
por: Pedro Costa Pereira
Fonte: http://www.transportesemrevista.com//
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