Patrícia Comunello
FREDY VIEIRA/JC |
![]() |
A maior parte da fatura externa da Marcopolo é gerada fora e depois nacionalizada |
O câmbio desvalorizado, que gera arrepios a industriais exportadores e vitamina importações de manufaturados, é o epicentro de um debate longe de consenso entre entidades setoriais e especialistas: o Brasil vive uma desindustrialização? Números de produção e emprego aquecidos pelo crescimento interno esvaziam este risco. Por enquanto.
A montadora gaúcha de ônibus Marcopolo sempre foi uma grife da face made in Brazil da balança comercial. E continua, só que 80% das unidades que a marca coloca no mercado internacional são feitas em oito fábricas situadas fora do Brasil e em três continentes - América, África e Ásia. Em vez de captar dólares vendendo os veículos, hoje a maior parte da fatura externa é gerada fora e depois nacionalizada. Com isso, 4 mil dos 14 mil empregados da companhia, que projeta receita líquida de R$ 2,8 bilhões em 2010, 30% acima da de 2009, movem as plantas do exterior. Um caso típico de exportação de empregos, mesmo que em família. Sem contar as vagas geradas nos fornecedores de peças e matérias-primas na Argentina, no México, na Colômbia, no Chile, na África do Sul, na Índia e no Egito.Depois de 30 anos operando no mercado internacional, a montadora mudou sua estratégia, traduzida pela migração da produção, para não perder mercado ante um câmbio desvalorizado em até 20%. “O Brasil não é mais competitivo”, justifica o diretor de Relações com Investidores da montadora, Carlos Zignani.
A medida está no volume: a marca fabricará fora do País 9,5 mil dos 26,5 mil ônibus projetados para este ano. Mas nem assim a empresa evitou um recuo na fatia externa do negócio, que caiu de 45% para 30%. “A boa notícia é que estamos crescendo internamente. A alta do volume local será de 40% ante 30% do estrangeiro”, demarca o executivo, acrescentando que, devido ao real valorizado, aumentaram também as importações de peças e partes dos veículos, do aço à calefação.
O percurso da Marcopolo é música para os ouvidos dos dirigentes da corporação que representa o maior PIB nacional. A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) é a capitã do time que propaga a tese de um emagrecimento danoso da base manufatureira brasileira, confirmada por perda de exportação, redução da cota local na composição de bens finais e por mercadorias que entram prontas para consumo das famílias. “Sofremos o efeito da trinca do diabo - juros e carga tributária elevados e câmbio em baixa”, ilustra o diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp, Paulo Francini, irredutível na tese da desindustrialização. “Ou interrupção precoce da industrialização”, reforça o dirigente, indicando que o setor de transformação reduziu seu espaço a 13% do produto nacional (dados de 2008) antes de esgotar seu potencial de elevação da renda per capita, acima de US$ 15 mil.
Francini cita o avanço das importações de eletroeletrônicos estrangeiros, que somaram US$ 22,4 bilhões de janeiro a agosto, gerando déficit de US$ 17,5 bilhões, e sustenta que já há fechamento de indústrias e ameaça de desaparecimento de setores. O diretor da Fiesp também refuta alegações de que mudanças no cálculo do PIB desde os anos de 1990 agravaram a redução do espaço da indústria, enquanto serviços e itens primários e extrativos ganharam fatia maior.
O economista da consultoria Tendências Bernardo Stuhlberger rejeita a tese da federação paulista e avisa que não é privilégio brasileiro o recuo do setor. “É natural que países em desenvolvimento passem a estágio com maior fatia do PIB em serviços. É efeito da renda”, associa Stuhlberger, encarando como normal consumidores buscarem importados em vez de mercadorias nacionais ante maior fluxo. O economista da Tendências acredita que a realidade cambial não deve se alterar e que a atração de investimentos produtivos se eleva. “Segmentos que sofrem mais terão de se mexer”, previne, cobrando mais pressão dos industriais para atacar a verdadeira culpada pelo problema – a carga tributária, vedete do Custo Brasil.
http://jcrs.uol.com.br
0 comentários:
Postar um comentário