A quatro meses de o Brasil dar seu maior salto na legislação de controle de emissões de caminhões e ônibus, as montadoras correm, nos bastidores, para tentar obter do BNDES financiamento com juros mais baixos para a nova geração de veículos, com estreia marcada para janeiro de 2012. Sob o argumento de ter investido em tecnologia, a indústria avisa que elevará os preços entre 8% e 20%. Por isso, o país volta a assistir a uma cena que marcou todas as vezes que se mexeu nesse tipo de lei: transportadores mais capitalizados antecipam encomendas para fugir do aumento de preço. Um caminhão ou ônibus custa hoje menos - e polui mais - que o similar de 2012. E só será trocado por um mais novo daqui a três, quatro ou cinco anos.
*A reportagem é de Francisco Góes, Marli Olmos e Daniela Chiaretti e publicada pelo Jornal Valor, 25-08-2011.
Num mercado que já vinha aquecido, a demanda aparece à medida que a data limite para os veículos atenderem à nova norma se aproxima. Enquanto, de janeiro a julho, as vendas de todos os tipos de veículos aumentaram 8,58%, o mercado de caminhões cresceu 15,1% e o de ônibus, 21,69%. No mesmo período, o segmento de automóveis registrou expansão bem menor, de 5,79%.
Para chegar à nova legislação, chamada de Proconve 7 - ou Euro 5, como prefere chamar a indústria de origem europeia - o país pulou uma etapa, a de número 6, por conta de polêmica, há dois anos, em torno de incertezas sobre a disponibilidade de combustível. A nova legislação representa uma mudança drástica não apenas nos componentes dos veículos, mas também num novo diesel, com menos enxofre, e num aditivo à base de ureia, chamado Arla 32. A necessidade de lidar com tudo isso implica numa mudança de hábitos, não apenas do frotista, mas principalmente, do motorista. Se for abastecido com o combustível vendido hoje, um veículo dessa nova geração vai quebrar.
Os representantes da indústria de caminhões e ônibus negociam com o governo redução nas taxas de juros nas linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na visão da indústria, a oferta de taxas de juros menores poderia atenuar a queda nas vendas prevista para 2012, que deverá ser motivada pela antecipação de compras em 2011.
Segundo uma fonte da indústria, a ideia é reduzir o custo do financiamento de forma que o valor das prestação de um caminhão do chamado euro 5, por meio do Finame, seja equivalente à paga hoje num caminhão Euro 3.
Uma fonte do governo diz que as maiores chances de redução nos juros do BNDES estariam no segmento de micro, pequenas e médias empresas, uma vez que os grandes frotistas têm maior capacidade financeira e já teriam antecipado muitas compras. Segundo a fonte, a decisão sobre o tema cabe ao Ministério da Fazenda. Essa fonte lembra, porém, que não há muito espaço fiscal para reduzir os juros. Procurado, o Ministério da Fazenda não se pronunciou.
Outra fonte do setor automotivo conta que em outra frente a indústria busca desonerar impostos de componentes. Essa redução tributária envolveria o Imposto de Importação das peças importadas que compõem o sistema do Euro 5. A cadeia automotiva foi o primeiro setor escolhido pelo governo para ser beneficiado por regime especial tributário, o qual ainda está em discussão com trabalhadores e setor privado, segundo disse ao Valor, em recente entrevista, o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Alessandro Teixeira. Esse regime deve contemplar pontos ligados ao financiamento, à inovação e à tributação, entre outros itens.
Ricardo Silva, vice-presidente de ônibus para a América Latina da Mercedes-Benz, diz que fabricantes de chassi e carrocerias de ônibus e os operadores das linhas estão envolvidos nas conversas com o BNDES para tentar garantir condições mais favoráveis de financiamento no primeiro ano de funcionamento do Euro 5. "Senão, pode se perder a oportunidade de implementar no país uma tecnologia ambientalmente melhor", afirma.
Ontem a Mercedes anunciou a primeira venda de ônibus com motores Proconve P-7 para concessionárias de São Paulo. Silva estima que a tecnologia vai representar aumento de custo para a empresa entre 8% e 15%. O preço para o consumidor será acrescido em percentual semelhante.O executivo prevê, porém, que as vendas de ônibus poderão cair entre 20% e 25% em 2012 em um cenário que combina desaceleração do mercado, hoje muito aquecido, e o efeito da entrada em vigor do Euro 5.O setor está preparado para continuar em ritmo acelerado no último quadrimestre que antecede a mudança na legislação, com a perspectiva, inclusive, de cancelar as tradicionais folgas de Natal.
"Estamos produzindo na capacidade máxima", diz o diretor da Volvo, Bernardo Fedalto. O gerente de exportações da Marcopolo, Rodrigo Pikussa, prevê uma "ressaca". O receio, diz ele, é que o mercado "congele" por um período.Segundo o presidente da MAN Latin America, Roberto Cortes, de janeiro a julho a empresa registrou aumento de vendas de 22,7% em caminhões em relação a igual período do ano passado. Para ele, desse crescimento entre oito e dez pontos percentuais se relacionaram à antecipação de compras.Na Ford, nos primeiros sete meses, o crescimento chegou a 12% em comparação com o mesmo período de 2010, segundo Marcel Bueno, supervisor de marketing e vendas. Ele prevê que em 2012 o mercado poderá encolher entre 10% e 15%.
Outra preocupação do setor é com a desinformação dos usuários. "Me assusto com isso", diz. Fedalto, da Volvo. Todas as montadoras têm feito palestras para explicar o funcionamento do novo sistema. "Mas, conversando com os clientes percebo o total desconhecimento daquilo que representará o maior salto do país em direção ao controle ambiental", diz o vice-presidente comercial da Iveco, Antonio Dadalti. Como os demais, Dadalti acredita na disponibilidade do novo combustível, o chamado S-50. Mas ele se preocupa com a necessidade de atenção a certos detalhes. O tanque de uma carreta que transporta o diesel vendido hoje não pode receber o S-50 sem antes ser muito bem lavada.
0 comentários:
Postar um comentário